Aranda no Brasil
Correr motocross fora da Europa muda completamente a visão que muitos pilotos têm do esporte. O Brasil, em especial, vem se consolidando como um dos campeonatos nacionais mais intensos e profissionalizados do mundo. Clima extremo, pistas técnicas, público apaixonado e equipes oficiais de fábrica criam um cenário desafiador até para pilotos experientes do Mundial.
Nesta matéria, você vai conhecer os bastidores dessa realidade através do olhar de Greg Aranda, piloto francês que disputou o Campeonato Brasileiro de Motocross e Arenacross defendendo a equipe 595 Racing, estrutura oficial KTM no país. Entre lesões sérias, disputas contra grandes nomes internacionais e a adaptação a um novo estilo de campeonato, Aranda revela por que o Brasil virou um destino cada vez mais desejado por pilotos de alto nível.
Se você curte motocross, bastidores de competição e quer entender por que o off-road brasileiro cresce tanto, segue a leitura.
O nível do motocross brasileiro surpreende até pilotos de GP
Quando Greg Aranda anunciou que disputaria o campeonato brasileiro, muita gente achou que seria algo passageiro. Mas a realidade foi bem diferente. Logo nas primeiras etapas, ficou claro que o nível técnico e físico dos pilotos locais e estrangeiros é altíssimo.
Nomes como Dean Wilson, Enzo Lopes, Stephen Rubini e Jeremy Van Horebeek dividiram o gate com pilotos brasileiros extremamente preparados. Segundo Aranda, não existe espaço para relaxar: mesmo abrindo vantagem pela manhã, o desgaste físico do calor e da umidade faz qualquer diferença desaparecer ao longo do dia.
O motocross brasileiro exige preparo físico extremo. As corridas acontecem sob temperaturas que chegam facilmente aos 40 °C, com alta umidade. Isso muda completamente a dinâmica da prova, exigindo resistência acima da média.
Lesões, superação e um começo de temporada improvável
Antes mesmo de embarcar para o Brasil, Aranda já enfrentava sérios problemas físicos. Uma lesão no ombro, com rompimento do tendão supraespinhal, além de três costelas quebradas, colocavam em dúvida sua participação. Na França, a indicação era cirurgia imediata.
No Brasil, a abordagem foi diferente. Tratamentos intensivos, infiltrações e trabalho neurológico permitiram que ele largasse na primeira etapa, mesmo sem treinar por quase um mês. A estreia aconteceu em pista lamacenta, técnica e escorregadia, condições que favorecem pilotos experientes. Resultado: queda na primeira bateria e vitória na segunda.
Mesmo assim, a temporada foi marcada por limitações físicas constantes. Treinar entre as etapas era difícil, e novas quedas agravaram a situação, incluindo uma lesão grau 4 na articulação acromioclavicular do outro ombro.
Correr Motocross e Arenacross ao mesmo tempo: desafio dobrado
Um dos pontos mais exigentes da temporada foi disputar, simultaneamente, o Brasileiro de Motocross e o Arenacross. Diferente da Europa, no Brasil os calendários se sobrepõem, obrigando os pilotos a alternar entre pistas fechadas e circuitos outdoor praticamente sem intervalo.
Aranda foi um dos poucos a encarar os dois campeonatos. Isso significa nunca estar 100% preparado para nenhuma das modalidades. Quando o foco era motocross, faltava ritmo de supercross. Quando vinha o Arenacross, o corpo já estava desgastado pelas provas longas do MX.
Mesmo assim, ele conseguiu fechar o campeonato com vitórias importantes, incluindo o triunfo na última etapa do Arenacross e resultados fortes no motocross, mesmo ainda se recuperando fisicamente.
Estrutura profissional: o Brasil em outro patamar
Um dos maiores choques positivos para Greg Aranda foi a estrutura das equipes brasileiras. A 595 Racing, equipe que ele defendeu, opera em padrão muito próximo das grandes estruturas de Mundial.
O time conta com mais de 15 profissionais, mecânicos exclusivos por piloto, peças oficiais KTM vindas diretamente da Áustria e motores de especificação internacional. Não é exagero dizer que o ambiente lembra equipes como Star Racing ou estruturas de ponta do MXGP.
Outro ponto impressionante é o modelo de formação. No Brasil, até categorias menores, como 85cc, contam com pilotos assalariados, contratos formais e suporte de fábrica. Jovens talentos têm caminhos claros para crescer dentro das marcas, algo raro em muitos países europeus.
Por que o Brasil virou um destino tão atrativo para pilotos de ponta
Mesmo com a França ocupando uma posição central no motocross europeu, a realidade estrutural entre os campeonatos é muito diferente. Greg Aranda explica que, no Elite MX1 francês, apenas quatro ou cinco pilotos contam com equipes realmente estruturadas, como GSM e Honda SR. O restante do gate muitas vezes paga para correr, não tem contrato fixo e enfrenta dificuldades para se manter competitivo ao longo da temporada.
No Brasil, o cenário impressiona. Segundo Aranda, até pilotos das categorias menores, como 85cc, recebem salário, motos, contratos e competem dentro de estruturas oficiais de fábrica. Não são valores astronômicos, mas existe um modelo profissional claro. Marcas como Yamaha e KTM investem desde a base, criando um caminho natural de progressão: 125cc, categorias júnior, MX2 e, depois, MX1.
Esse nível de organização chama atenção de quem vem de fora. Quando Jeremy Van Horebeek correu no Brasil, ficou surpreso com o que encontrou e, segundo Aranda, há grandes chances de ele voltar. Outros nomes fortes do Mundial também já observam o mercado brasileiro de perto.
O motivo é simples: financeiro e esportivo. De forma direta, Aranda comenta que pilotos do MXGP, mesmo terminando entre os três melhores do mundo, muitas vezes não recebem propostas compatíveis com o esforço exigido na Europa. Para se ter uma ideia, ofertas entre US$ 100 mil e US$ 150 mil por apenas oito etapas no Brasil representam algo em torno de R$ 500 mil a R$ 810 mil, já com estrutura completa.
Em comparação, disputar uma temporada inteira do Mundial, com cerca de 20 etapas, pode render algo próximo de US$ 200 mil, cerca de R$ 1 milhão, exigindo muito mais treinos, viagens e desgaste físico. Para muitos pilotos experientes, o custo-benefício do Brasil acaba falando mais alto.
Não é exagero dizer que, nos próximos anos, o país tende a receber cada vez mais nomes fortes do cenário internacional, consolidando o campeonato brasileiro como um dos mais atrativos do mundo fora do eixo EUA e Europa.
Pistas brasileiras: terra vermelha, lama e adaptação constante
As pistas do campeonato brasileiro têm características únicas. O solo vermelho, muito comum em várias regiões do país, cria condições extremamente escorregadias quando molhado. E a irrigação é intensa, muitas vezes até minutos antes das largadas.
O resultado é uma pista que começa pesada, vira extremamente lisa e endurece rapidamente. Com calor elevado e umidade alta, o desgaste físico é brutal. Segundo Aranda, não basta ser rápido; é preciso inteligência, leitura de pista e preparo mental para sobreviver às baterias.
Apesar da dureza, ele destaca pontos positivos: pistas grandes, saltos longos, triplos enormes e um traçado que exige técnica refinada.
Público, mídia e cultura do motocross no Brasil
Diferente do que muitos imaginam, o motocross no Brasil atrai grandes públicos. As etapas costumam ter entrada gratuita, o que aproxima ainda mais os fãs. As arquibancadas ficam cheias, especialmente quando pilotos locais disputam vitórias.
Além disso, o campeonato tem forte presença na mídia. Transmissões de TV, lives no YouTube, coletivas de imprensa e cobertura constante fazem com que o piloto tenha visibilidade real. Segundo Aranda, seus próprios pais conseguiam acompanhar melhor suas corridas no Brasil do que no campeonato francês.
Essa combinação de público, mídia e patrocínio cria um ecossistema sustentável e atrativo para pilotos internacionais.
Planos futuros e a paixão que ainda fala mais alto
Mesmo aos 36 anos, com histórico pesado de lesões, Greg Aranda segue motivado. Ele renovou contrato para disputar novamente o Brasileiro de Motocross e Arenacross em 2026, além de explorar outros campeonatos internacionais, como Supercross mundial e séries na Índia.
Segundo ele, enquanto houver prazer em treinar, competir e sentir a adrenalina da largada, vale a pena continuar. A moto ainda é refúgio, escape da dor e combustível para seguir em frente.